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A educação para a bondade*
Por Francisco Silva (Leitor do Jornal), em 2016/11/18237 leram | 0 comentários | 70 gostam
por Inês Pedrosa in Sol
As consequências estão à vista e são desastrosas: aos 15 anos, a alma dos nossos filhos cheira a cinzas. O chamado bullying, ou sistema de aterrorização permanente, resulta de exemplos concretos, quotidianos: a prioridade dada às boas notas sobre os bons comportamentos, a rasura da diferença moral entre verdade e mentira, o estímulo à conquista de bens materiais, seja por que método for, a transformação do amor num brinquedo temporário de exaltação do narcisismo e a consideração da amizade como um mecanismo de promoção social (“o que fazem os pais dos teus amigos?” ; “e se convidássemos o teu chefe para jantar?”).

Deste livro de instruções aberto diante dos olhos dos mais novos fazem parte a sabotagem permanente ao mérito através dos mais ínvios meios reais ou virtuais, o culto da inveja com o seu cortejo de pequenas e médias infâmias e, de um modo geral, a ideia de que a bondade é para os parvos e cresce na proporção inversa da inteligência.

Por mais que alguns educadores tentem contrariar este sistema de terrorismo moral, a vida quotidiana torpedeia-os.

Eu não sei como é possível que em territórios ditos escolares tantos jovens sejam física e psicologicamente maltratados pelos outros, sem que um adulto veja e trave esses actos de imediato.

Infelizmente, sei: os adultos fecham os olhos porque não querem problemas. Aquilo que era a vida tornou-se uma caminhada de auto-preservação, com cada um a assobiar para o lado e a fazer de conta que não vê nada.

Uma andorinha não faz a Primavera, dizem. Mas uma serpente, sozinha, pode fazer muita destruição. Os nossos filhos estão a ser ensinados a serpentear, num mundo onde tudo é relativo excepto a sobrevivência, e onde os outros são coisas a utilizar e deitar fora. E um dia lá irão, sibilando e rindo

Uma sociedade sem moral purga-se através de festas e comemorações: a decoração ética do esquecimento.

Prefiro a rudeza da palavra 'moral' à elegância erudita da palavra 'ética', que acabou por se tornar uma mera passeante dos livros.

Biltres consumados puxam a ética para a ponta da língua quando querem intimidar gente de bem mas pouco experiente em artilharia retórica. O fim do Carnaval é mais do que simbólico: em vez da alegria democrática e ilimitada, instituiu-se o Carnaval permanente da humilhação do outro. Já acabaram as praxes? Não, credo, a imoralidade dominante precisa delas como da hierarquia, do medo e da submissão.

Os poderes rivalizam em programas para comemorar os 40 anos do 25 de Abril.

Esta competição de vaidades seria ridícula se não fosse trágica, num país onde cada vez mais gente vive cada vez pior e uma elite de aço vive cada vez melhor.

O dinheiro que se gastará em génios pensadores ou em concertos, exposições e arraiais para entorpecer o povo poderia incentivar modelos alternativos. Por exemplo: cooperativas escolares para fazer jornais; centros educativos onde os jovens partilhem aprendizagens com os mais velhos; redes de apoio aos desempregados, que lhes permitam criar pequenos negócios locais. Em suma, investimento em formas de dignificação colectiva, apontando para uma economia que volte a dar prioridade àquilo de que andamos todos muito esquecidos: as pessoas.

* Por opção da autora, este artigo não segue as regras do novo acordo ortográfico.


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